Eu, sozinho, no Fim do Mundo
Eu vivia sozinho no Fim do Mundo.
Os dias decorriam devagar e bem. Procurava tesouros em velhos mapas de impérios decadentes. Limpava rochas e encontrava fósseis. Reconstituía o esqueleto de monstros enormes com cordel. Jogava à bola até cair de cansaço. Sentava-me e lia. Gostava de ouvir o vento soprar através dos pinheiros eriçados, cujos ramos ondulavam no azul do céu. Comia biscoitos salgados e cartilagens. Ao sol-pôr, tocava melodias para a minha mula ouvir.
Em noites de tempestade, gostava de ficar na minha cabana. Aconchegava-me junto ao fogão e ouvia a chuva e a trovoada. Via os animais de longas caudas, cinco patas, ou bocas beijoqueiras, enfrentarem o trovão. Também nunca tive medo. Adormecia ao som dos seus grunhidos, que mais pareciam barulhos de canalização. Sabia que, de manhã, não haveria vestígios da chuva, excepto um pequeno orvalho nas árvores que ficavam junto dos rochedos desolados. Sentia-me feliz, sozinho, no Fim do Mundo.
Até um dia. Nesse dia, estava eu sentado de cabeça para baixo para que o meu cabelo ficasse completamente de pé, quando vi um homem estranho. Tinha pernas altas, um chapéu de aba larga e uma barba circular. Os seus óculos reflectiam as nuvens.
Montou um cavalete. Tirou um pincel da bota. Pintou o céu e o pinheiro mais solitário. E disse, numa voz que parecia a lã de um carneiro:
— Chamo-me Constantino Brilho e sou visionário profissional.
Olhou-me de alto a baixo e continuou:
— Rapaz, o que fazes o dia inteiro no Fim do Mundo?
— Muitas coisas — respondi.
E contei-lhe dos assobios, do vento e dos pinheiros.
— Só isso? — perguntou, com um ar aborrecido. — Não te divertes? Não tens amigos?
Olhei para os meus pés. Dantes achava que o que fazia era divertido. Agora já não tinha a certeza.
— Penso que as coisas vão mudar bastante por estes lados — disse o Sr. Brilho.
Por cima da pintura do rochedo e do pinheiro solitário, escreveu as palavras: CONSTANTINO BRILHO, VIAGENS MÁGICAS AO FIM DO MUNDO. DIVERTIMENTO GARANTIDO!
Uma semana mais tarde, estava eu a pescar peixes que voavam sobre as cataratas, quando ouvi o ruído de máquinas grandes e homens a darem ordens. Estavam a pavimentar uma clareira. Estavam a abrir valas. E o Sr. Brilho guiava uma visita.
— Aqui — anunciava ele — é o Fim do Mundo. Este é o rochedo. Este é um rapaz local com a sua mula. Vejam como nos olham com um olhar sonhador. E aqui está o local da futura Estalagem do Fim do Mundo.
Fiquei em estado de choque. Tinha-se juntado uma pequena multidão composta por pais e filhos, que me olhavam com curiosidade e fitavam o rochedo embasbacados.
Nem queria acreditar que ele tinha aplanado o terreno.
— Sr. Brilho! — chamei. — Sr. Constantino Brilho!
Apontei para as lajes.
— O que está a fazer? O que fez?
— Trouxe-te uns amigos. Se lhes mostrares a paisagem, dou-te uma moeda de ouro.
— A paisagem? Mas eu vivo numa cabana sozinho. Não quero amigos e não preciso de…
Foi então que olhei para os miúdos que o rodeavam. Sorriam e eram simpáticos. Estenderam as mãos. Um chamava-se Alberto, outro Júlio, e a rapariga chamava-se Margarida. Queriam gostar de mim. E eu queria gostar deles. Sorri.
— Bem — comecei — na realidade…
O Sr. Brilho acenou, encorajador. Perguntei aos miúdos:
— O que querem que vos mostre?
— O que fazes por estas bandas?
Pensei no que fazia: entretinha-me com fósseis, pores do sol, assobios, ouvia os ramos, observava os pinheiros.
Tentei pensar em algo que fosse excitante.
— Bem, se cuspirem no topo da terra, a cuspidela nunca mais pára de dar voltas.
— Isso é o máximo! — exclamaram os miúdos.
Passámos o dia na floresta junto aos rochedos. Cuspimos e batemos palmas. Mostrei-lhes os fósseis. Mostrei-lhes os caminhos. Mostrei-lhes as árvores e as pegadas dos animais rastejantes.
Quando chegou a altura de regressarem à cidade, disseram:
— Não queremos ir embora. Voltaremos no Outono à Estalagem do Fim do Mundo.
continua…
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